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Mulheres e a voz no futebol: sobre a ausência de narradoras e comentaristas – seguindo pistas

Beth Mowins a primeira mulher a narrar uma
partida da NFL em rede nacional. Jornalista
 foi alvo de ofensas machistas.
Foto:Reprodução ESPN
Onde estão as narradoras e as comentaristas no jornalismo esportivo? Por que quase não há narradoras e nem comentaristas nas transmissões de futebol praticados por homens ou por mulheres? Munido dessas questões e de outras que surgiram no decorrer da minha pesquisa de pós-doutoramento na Universidade Federal de Minas Gerais sobre a dinâmica de gênero no campo do jornalismo esportivo, fui a campo acompanhar uma fotógrafa e uma setorista de um clube de Minas Gerais. Paralelamente, entrevistei 47 mulheres que trabalham ou trabalharam em diversas áreas do jornalismo esportivo em Belo Horizonte, Recife e São Paulo, para tentar compreender a ausência dessas no ofício da narração e comentário esportivo, mais especificamente, na narração e comentário do futebol. Neste texto, gostaria de iluminar algumas pistas sobre a ausência das mulheres no espaço da narração e do comentário sobre futebol. Essas pistas estão assentadas nos relatos coletados nas entrevistas e acompanhamentos acima mencionados. A primeira pista que deve ser mencionada é a de que a ausência de mulheres nos espaços de narração e comentários esportivos não significa inexistência. É preciso salientar que elas já ocuparam esse espaço, mesmo que em número reduzido e de maneira pontual, como pode ser confirmado em uma rápida pesquisa na ferramenta no Google. Ao se digitar “narradoras ou comentaristas” surgem os nomes de Emma Jones, da rádio BBC de Londres, Estela Mareco, da rádio Nanawa do Paraguai, Cláudia Neumann, da rede germânica ZDF, Fernanda Gentil, da Rede Globo, que segundo reportagens estava sendo preparada para narrar a Copa de 2018, Renata Silveira, que narrou um jogo da Copa de 2014 pela Rádio Globo e depois foi contratada pela Web Rádio Ultra para realizar a “transmissão mais charmosa”. Uma busca mais detalhada nos leva às brasileiras Zuleide Ranieri Dias, narradora esportiva da Rádio Rede Mulher na década de 1970, Luciana do Valle narrando a final do campeonato pernambucano de 1999, e Clara Albuquerque, que foi comentarista do canal Esporte Interativo. A segunda pista está ligada à assimetria de gênero nesse campo de trabalho. Há indícios de diminuição de desigualdades de gênero percebidas pelas mulheres que escolhem essa profissão. A narrativa das entrevistas indica para o aumento do número de profissionais que ocupam diversos espaços no campo do jornalismo esportivo. Muitas se posicionam como produtoras, repórteres, setoristas, apresentadoras e colunistas. No entanto, apesar da sensação de diminuição da assimetria entre homens e mulheres, verifica-se que a maioria dos cargos de direção e chefia nas redações, no rádio e na televisão são ocupados por homens e que são também homens que detêm o monopólio dos espaços de narração e de comentários – seja nas transmissões ao vivo ou nas mesas redondas pós-jogo. A terceira pista remete às categorias enumeradas pelas entrevistadas para dar sentido à não ocupação desses espaços de narração e comentário. Essa não ocupação é fundamentada em uma percepção de tradição e da cultura entendida como sendo categorias similares, cristalizadas, imutáveis e hegemonicamente masculinas. Mulheres não narram e nem comentam porque essas funções são desempenhadas desde sempre por homens, dizem os relatos. Assim o modelo normativo masculino é percebido como o único tradicional e culturalmente legitimado. Mesmo condenando o machismo nessa esfera do jornalismo esportivo, as entrevistadas não conseguem imaginar e nem propor maneiras de transformação da configuração em que se assenta esse espaço. O que se verifica em suas falas é a impossibilidade de se ocupar esse ofício, seja porque “nunca passou pela cabeça”, seja porque “preferiu escolher outra área”, seja porque “prefere reportar”. Isto é, nota-se a ausência de modelos femininos, no caso específico da narração. A sensação que se tem após escutar os relatos dessas jornalistas é que esse espaço nunca poderá ser ocupado por mulheres.
Zuleide Ranieri Dias no estádio do Morumbi.
 Acervo: Zuleide Ranieri Dias/Museu do Futebol.
A segunda pista está ligada a assimetria de gênero nesse campo de trabalho. Há indícios de diminuição de desigualdades de gênero percebidas pelas mulheres que escolhem essa profissão. A narrativa dessas indica para o aumento do número de profissionais que ocupam diversos espaços no campo do jornalismo esportivo. Muitas se posicionam como produtoras, repórteres, setoristas, apresentadoras e colunistas. No entanto, apesar da sensação de diminuição da assimetria entre homens e mulheres verifica-se que a maioria dos cargos de direção e chefia nas redações, no rádio e na televisão são ocupados por homens e que são também homens que detém o monopólio dos espaços de narração e de comentários – seja nas transmissões ao vivo ou nas mesas redondas pós-jogo. A terceira pista remete as categorias enumeradas pelas entrevistadas para dar sentido a não ocupação desses espaços de narração e comentário. Essa não ocupação é fundamentada em uma percepção de tradição e a cultura entendida como sendo categorias similares, cristalizadas, imutáveis e hegemonicamente masculinas. Mulheres não narram e nem comentam porque essas funções são desempenhadas desde sempre por homens, dizem os relatos. Assim o modelo normativo masculino é percebido como o único tradicional e culturalmente legitimado. Mesmo condenando o machismo nessa esfera do jornalismo esportivo, as entrevistadas não conseguem imaginar e nem propor maneiras de transformação da configuração em que se assenta esse espaço. O que se verifica em suas falas é a impossibilidade de se ocupar esse ofício seja porque “nunca passou pela cabeça”, seja porque “preferiu escolher outra área”, seja porque “prefere reportar”, ou seja, pela ausência de modelos femininos, no caso especifica da narração. A sensação que se tem após escutar os relatos dessas jornalistas é que esse espaço nunca poderá ser ocupado por mulheres.
Acervo: Zuleide Ranieri Dias/Museu do Futebol
Quando se “arriscam” nessas atividades as elas se percebem como “intrusas”. Em mesas-redondas tem seu conhecimento sobre o futebol testado continuamente, os seus comentários não são considerados pertinentes, são cortadas e tratadas com condescendência infantil em suas analises pelos interlocutores masculinos. Aqui, algumas delas percebem e se revoltam com “o machismo do futebol”. Quando pensam (se é que tem essa possibilidade de pensar que essa experiência é possível) em se tornar narradoras não são incentivadas e padecem do “medo de tentar”. Quando são “corajosas” ou encontram respaldo de quem as incentive – uma “empresa que as encoraje” – a exercer essa atividade são rigorosamente avaliadas. Não há espaço para erro, não há espaço para improviso, não há espaço para “fazer diferente” e desdobrar a norma masculina. O desestimulo passa ainda pela acusação biológica de que o tom de voz feminino é muito agudo, há um estranhamento e desagrado aos ouvidos dos ouvintes – geralmente homens. E nem mesmo a tecnologia disponível de modulação vocal contribui para minimizar esses efeitos “naturais desagradáveis”, pois a elas faltam ritmo e clareza na narrativa – dizem aqueles que as cerceiam dessa atividade. Ao que poucas respondem e tentam deslegitimar essas afrontas: “Como é possível acusar nossas vozes de serem desagradáveis e estranhas? Se na sociedade brasileira quem é encarregada de contar historinhas para as crianças, em sua maioria somos nós! Mulheres. Além do mais é possível aprender a técnica de narração e adquirir ritmo e clareza”. Mas não basta ter técnica para narrar é preciso ter o dom, “algo que você nasce e não é possível aprender”, retrucam. Assim é também pelo dom entendido como parte da natureza (geralmente masculina, nesses casos) que seus interlocutores recorrem em seus discursos para justificar a impossibilidade de inserção nesse oficio. Discursos confusos e que confundem, mas que tem efeitos de fronteiras e exclusão, pois ora operam através de uma perspectiva de cultura e tradição e outras manipulam a categoria de natureza como dom para legitimar e manter como masculina o métier de narração. Mas, sem dúvida, discursos efetivos, pois que reproduzidos por elas mesmas para justificar suas ausências e reforçar o espaço como cultural e tradicionalmente masculino. Em suma as narrativas apontam para pistas que devem ser exploradas para compreender a ausência de mulheres na narração e comentários de futebol nas rádios e emissoras de televisão. Não creio que seja o bastante apontar para o machismo e evidenciar as desigualdades de gênero para pensar a exclusão das mulheres desses espaços. Creio que, além disso, é necessário compreender também como certas categorias, ideias e valores impregnam os discursos e contribuem para dificultar o acesso dessas profissionais em determinadas áreas de poder no campo do jornalismo esportivo.
Fonte: Ludopédio e Jornal NEXO

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